top of page
Foto do escritorCaminho Fabril Rio Grande

Dia Nacional do Patrimônio: reflexões do Congresso Nacional para Conservação do Patrimônio Industrial

Atualizado: 19 de ago.

17de agosto é o Dia Nacional do Patrimônio Cultural. Essa data que anualmente nos convida a refletir sobre esse tema que desperta tanto interesse, disputas e conflitos, é vivida por mim em meio ao IV Congresso Nacional para Conservação do Patrimônio Industrial. Ao longo desses dias foram dezenas de palestras, debates, conversas dedicados exclusivamente para pensar sobre esse tema que nos é tão caro. Ainda tentando absorver e refletir sobre tudo que aprendi e experenciei, não pude deixar passar em branco essa data comemorativa e reflexiva.


Dentre os principais pontos que as mulheres e os homens que pesquisam, lutam, vivem e defendem o patrimônio industrial, alguns ganharam atenção especial ao longo de todo o evento:

a quem serve esses patrimônios? quais narrativas e conflitos eles envolvem? como lidar com as memórias difíceis? qual o nosso papel para enfrentar os desastres ambientais e humanos? que elementos ainda precisam ser melhor explorados por nós?

A quem lê esse texto escrito ainda sem amadurecer bem todas as ideias, um aviso: ao final não irei responder esses questionamentos. Muito pelo contrário, eles continuarão ecoando na minha cabeça para os próximos anos, e motivando esse projeto e demais pesquisas e ações que estarei envolvida.


Entretanto, é possível sim dizer que estamos todas e todos comprometidos com os temas urgentes do nosso tempo presente, nomeadamente aqueles que envolvem as mudanças climáticas, a continuidade e o aumento da exploração da mão de obra, os desastres ambientais e humanos, as desigualdades econômicas e as violências em todos os âmbitos sociais, ao machismo, ao racismo e a xenofobia.


Ao contrário do que muitos pensam, nós, do patrimônio, não olhamos de forma romântica e ingênua para ele.

Entendemos que o patrimônio é um campo, por natureza, de disputa e de conflito, que é fruto de interesses econômicos, políticos e sociais, do exercício da memória, de esquecimentos e identidade. Entretanto, também sabemos que por meio dele é possível (re)construirmos espaços de luta, de cidadania, de reivindicação e de uma nova sociedade.


A professora Marion Steiner, defendeu que o patrimônio industrial, especialmente na América Latina, é uma ferramenta de consciência social, de justiça e de paz quando é pensado junto com a comunidade e com os ativistas locais. O professor Guilherme Pozzer, demonstrou a potência do encontro entre patrimônio industrial e arte, atuando como mediador de memórias, identidades e representatividade, num diálogo horizontal e colaborativo com as comunidades. A professora Cristina Meneguello, falou sobre as fábricas que continuam reproduzindo cenários de exploração da mão de obra infantil, de longas jornadas de trabalho e de baixa remuneração, com muitas semelhanças ao período da Revolução Industrial, em países subdesenvolvidos onde os direitos trabalhistas são escassos ou nulos. Além disso, ela enfatizou que essas também são questões que nos dizem respeito, que devemos olhar para a continuidade das explorações, das violências e desastres da lógica capitalista, machista e racista. O professor Álvaro Nascimento defendeu que é preciso falarmos da cor da pele desses homens e mulheres. Que há vivências e invisibilidades que perpassam os corpos negros que trabalharam, e continuam trabalhando em nosso país. Que por mais que esses aspectos tenham sido apagados e esquecidos, o patrimônio industrial também é negro e que a memória do trabalho não é apenas de origem branca e europeia. Mas, como temos lidado com essas marcas e legados?


Além destas, dezenas de outras questões foram trazidas à tona e provocaram um debate importante e que certamente motivará as mais de cem pessoas presentes a levarem esses questionamentos para seus trabalhos e pesquisas. Um evento acadêmico, sim, mas que por meio do patrimônio, chega até a ponta.


O patrimônio conecta pessoas, transforma realidades, rompe muros, abre diálogos horizontais, propõe mudanças, quebra narrativas hegemônicas, denuncia violências, rompe silêncios, evita o esquecimento e o apagamento, ressignifica dores e traumas, inverte hierarquias, permite o exercício da cidadania e constrói espaços de escuta e aprendizado.

Não é utópico, não é sonho, não é impossível. Inúmeros trabalhos apresentaram casos em diferentes locais do país e do mundo onde isso é realidade. Onde, por meio do patrimônio, as pessoas conquistaram direitos, reconhecimentos financeiros, visibilidade, valorização e um local para se auto representar e narrar sua própria história, da forma como querem contar.


Isso não significa que chegamos onde queremos chegar, muito pelo contrário. Mas significa que estamos caminhando, que nossos corpos e mentes estão direcionados para o mesmo objetivo e que algo já foi conquistado. A professora Alice Bemvenuti chamou a atenção para sempre pensarmos sobre quem somos e para onde nosso corpo nos leva. No convite para caminharmos, respirarmos e estarmos juntas e juntos, ela lembrou que, por mais que a gente não se veja, não estamos sós e não somos poucos. Em meio a tudo que vivemos em pleno século XXI, as tensões, os ataques e violências, a professora Beatriz Khül nos lembrou da importância do olhar crítico e de que a defesa do patrimônio deve estar alinhada com o "reconhecer e respeitar a humanidade do outro, com a solidariedade entre gerações e culturas".


Por isso, ainda totalmente energizada e revigorada pelo debate, reafirmo meu compromisso ético, moral e social com um patrimônio que esteja voltado para as questões sociais. Principalmente para as nossas necessidades e características locais, que a gente consiga entender nosso passado, nosso presente e projetar um novo futuro.


É assim que hoje comemoro, celebro e reflito sobre o Dia do Patrimônio. É assim que agradeço, imensamente, a oportunidade de ouvir a todas as pessoas que encontrei ao longo desses dias. Mesmo sem nomear a todas e a todos, quero reforçar do quanto foram especiais.


Obrigada por lembrarem dos motivos pelos quais escolhi essa profissão, essa área e esse caminho.

Um feliz dia para todas as pessoas que reconhecem a potência do patrimônio.



_______

As referências e citações diretas e indiretas aqui no texto, fazem parte do contexto de palestras e conferências proferidas durante o evento. Caso haja interesse em utilizar esse texto, referenciar corretamente e adequadamente as autoras e autores que trouxeram as reflexões e dados aqui citados.







Comentarios


bottom of page