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Foto do escritorLuiza Rolim André

A sociabilização entre as tarefeiras de São José do Norte na fábrica Leal Santos: trajetórias de resistências e afetos.

O presente texto trata sobre o papel da sociabilização entre as tarefeiras naturais de São José do Norte, dentro da fábrica Leal Santos na cidade do Rio Grande, RS. A ideia de trabalhar essa temática, surgiu a partir da vivência da minha vivência visto que, cresci cercada por mulheres das quais trabalhavam na fábrica e consequentemente compartilhavam seu dia-a-dia ou reviviam memórias do período trabalhado. 


De tanto ouvir essas histórias, acabei me dedicando a investigar as relações sociais e de apoio entre essas mulheres, dentro e fora do ambiente de trabalho. Através da pesquisa pude compreender as contradições que circundam o trabalho operário feminino, como também as relações que surgem a partir da dinâmica laboral entre as trabalhadoras e qual o papel da sua socialização no cotidiano do trabalho, dando uma atenção também a importância dessas relações constituídas na vida de cada uma.


As indústrias pesqueiras fazem parte do cenário industrial rio-grandino, sendo este setor em grande parte responsável pela segunda fase da industrialização na cidade. Período em que, segundo Martins e Renner (2016, p. 37), a cidade de Rio Grande tornou-se “[...] um complexo industrial de importância nacional”. Dentre as pessoas que trabalhavam na fábrica, muitas eram tarefeiras, trabalho onde não há um vínculo efetivo entre empregador e trabalhador, portanto, os prestadores de serviço normalmente são referidos como avulsos ou eventuais (SILVA e SPOLLE, 2014, p.4), e que recebem por produção.


Dada a oferta de emprego no setor e a proximidade com a povoação da Barra, muitas mulheres de São José do Norte acabaram buscando trabalho no setor, especialmente na Leal Santos, pela localização na 4ª Seção da Barra de Rio Grande.  

As mulheres entrevistadas atuaram entre os anos 2000 - 2010, momento em que a Leal Santos transformou-se em uma das poucas indústrias remanescentes do setor. Dessa forma, também busquei compreender o motivo que levou cada uma a escolher a Leal Santos como local de trabalho e o contexto em que essas mulheres estão inseridas, no qual a pesca torna-se a principal fonte de renda das famílias que ali residem, portanto, a dinâmica familiar normalmente consiste em homens que trabalham com a pesca artesanal e mulheres que operam como donas de casa e muitas vezes também no auxílio do trabalho do marido.



Figura: Leal Santos, 1989. Foto não representa as tarefeiras mencionadas no texto, imagem meramente ilustrativa.



Todo o trabalho trilhado até aqui, nos ressalta como o cotidiano das tarefeiras é capaz de produzir laços que perpassam as relações de trabalhos. As mulheres por muito tempo constituíram a maioria da massa operária nas fábricas de Rio Grande, sobretudo no setor têxtil e alimentício, e carregam consigo um histórico de resistência muitas vezes produzida através do afeto, do apoio e da transferência do saber do ofício da tarefa de uma para outra.


Diante disso, é sintomático não só a importância do trabalho das tarefeiras para o setor pesqueiro, mas também como as narrativas demonstram a existência de uma rede de ajuda, no qual trata-se de um sistema estabelecido de “estratégias de ajuda entre as operárias” (Taborda, 2021). Essa rede está alicerçada na preocupação em relação a produção da próxima, ou seja, a ajuda vem da noção de que se uma colega não aprende o ofício da tarefa, ela será prejudicada financeiramente, pois o salário corresponde a quantidade de produção, se há pouca produção, o salário também é pouco.


Ademais, percebe-se que por serem nortenses e compartilharem vivências semelhantes, esse é um fator que acaba contribuindo para a sociabilização e colaboração entre elas. A travessia do canal da barra que era realizada diariamente por elas, em uma espécie de bote, bem como alguns preconceitos e estigmas por serem de São José do Norte, são narrados por algumas entrevistadas.


Outra questão importante narrada pelas trabalhadoras é o fato de que os laços criados ali dentro, entre elas, colaboram para a construção das memórias afetivas em relação a fábrica, apesar de todas as entrevistadas afirmarem que sentem falta do período em que frequentaram a fábrica, suas lembranças estão sempre ligadas a vivências junto de suas colegas e não ao trabalho em si. 


Dessa forma, os relatos recolhidos nos indicam que o fator social e de auxílio tiveram grande relevância na construção do ambiente de trabalho e na relação que elas mantiveram com o ofício realizado. Portanto, é evidente a importância dessas memórias e das vivências partilhadas entre as trabalhadoras através de suas falas para compreender a história do trabalho nos municípios. 

Ao contar suas histórias, damos ênfase na presença feminina nas fábricas da cidade de Rio Grande, afinal, por muito tempo, esse grupo constituiu a maioria da classe trabalhadora e carrega consigo um histórico de resistência muitas vezes produzida através do afeto, do apoio e da transferência do saber do ofício da tarefa de uma para outra.


REFERÊNCIAS


MARTINS, Cesar Augusto Avila; RENNER, Marco Antônio Gama. Industrialização de pescado no município do Rio Grande: da gênese ao final do século XX. Geosul, Florianópolis, v. 29, n. 58, p 29-72, jul./dez. 2014.


SILVA, Suzana Maria Veleda da; SPOLLE, Marcus Vinicius. O Trabalho Feminino Nas Fábricas de Conserva de Pescado: A permanência de uma exploração laboral. Revista Electrónica de Geografía y Ciências Sociales. Barcelona, janeiro 2014. Disponivel em <https://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-464.htm> . Acesso em: 8 set.2024.


TABORDA, Taiane Mendes. Mulheres e teares: a rede de ajuda entre as operárias da Companhia Fiação e Tecidos Pelotense entre as décadas de 1940 e 1970. Pelotas, 2021.



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Texto escrito por Luiza Rolim André, graduanda em História - Licenciatura (FURG), com base na sua pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso em andamento.

1 comentario


Laiana Silveira
Laiana Silveira
25 sept

Como é interessante perceber a importância dos relatos, e tudo o que podemos descobrir pela perspectiva de quem vivenciou o período de atividade fábrica enquanto operária. As semelhanças que acabavam fortalecendo vínculos, como as que vinham de uma mesma região (SJN). Parabéns pelo texto!

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