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  • Alice da Conceição Teixeira

As fábricas de pescado no município de São José do Norte

São José do Norte é um município situado ao extremo Sul do Rio Grande do Sul, e possui, ainda hoje, uma economia fortemente marcada por duas atividades primárias: a pesca e a agricultura (especialmente o cultivo da cebola). Entre São José do Norte, e a cidade vizinha, Rio Grande, o elo caracteriza-se pelo Canal Miguel da Cunha e para muitos pesquisadores a localização geográfica foi fundamental para que ambas as cidades destacassem-se no setor industrial pesqueiro. Entre 1970-1995, São José do Norte abrigou várias fábricas de pescados, sendo elas: Martins & Figueiredo, Amaral & Irmão, Napesca, Saraiva & Santos, Humberto Ferrari & Filhos, Eduardo Ballester, J. G. Sequeira e D. X. Pereira. Ao longo dos anos a Amaral & Irmão cedeu seu lugar para a Nortemar, a Saraiva & Santos para a Confrio e, depois para o Moura, a Humberto Ferrari & Filhos para a Incape e, posteriormente, para a Frigoria, que com a Confrio, exportou camarão e pescados de São José do Norte para os Estados Unidos, Europa e Japão.



Figura 1: Fábrica Frigoria, caís de São José do Norte. Fonte: arquivo pessoal e registro de Luiza Rosa


Figura 2: Foto da Fábrica Humberto Ferrari Filho. A foto foi postada na página: São José do Norte fotos antigas, por Cristiano Paranhos.


Dentro do cenário das fábricas de pescados de São José do Norte, destaco as tarefeiras, mulheres que executavam as atividades de higienização, manipulação e acondicionamentos de pescados. Essas mulheres trabalhavam por tarefa, por isso ficaram conhecidas como tarefeiras, um exemplo de uma tarefa é: limpar e descascar uma banheira de camarão, ao final dessa atividade as trabalhadoras recebiam uma ficha, e posteriormente trocavam a ficha pelo seu pagamento em dinheiro. Outro exemplo de tarefa é limpeza e fileteamento de uma determinada quantidade de peixe. A imagem a seguir retrata um grupo de mulheres em sua bancada de trabalho, a imagem não conta com uma identificação oficial, mas por visita ao complexo Moura, identifico a parede como sendo do local, essa informação também foi confirmada por uma ex-tarefeira da fábrica Moura.


As mulheres que trabalhavam nas fábricas de pescados de São José do Norte eram diversas, algumas solteiras, outras casadas, com filhos, mães solo e também mulheres jovens, algumas pouco haviam estudado, outras nunca frequentaram a escola, mas algumas estudantes optavam pelo trabalho na fábrica justamente para poder estudar, alegando que podiam trabalhar quando não estavam estudando. Essa ideia da liberdade e flexibilidade de horário foi muito rebatida entre em algumas mulheres, pois a tarefa dependia da chegada dos barcos, e quando esses regressavam carregados era um sinônimo de muita tarefa a ser desempenhada.

Figura 3: foto de um grupo de tarefeiras trabalhando em uma das fábricas de peixe do município. Fonte: arquivo pessoal e registro de Luiza Rosa.


Nessas situações as trabalhadoras alegam que ficavam por muitas horas nas fábricas, chegando de manhã e saindo tarde da noite, em momentos como esse as trabalhadoras relatam o surgimento de um elemento bastante curioso nas fábricas: o curral. Ao analisar as plantas baixas das fábricas não localizei nunca esse elemento, e só fui compreendê-lo a partir dos relatos orais, segundo as trabalhadoras o curral era montado quando chegava mais pescados do que a fábrica era capaz de armazenar, e ele consistia em camadas de gelo e pescados intercaladas. Quando chegava o momento de manipular aqueles pescados era necessário desmontar o curral, essa atividade era bastante trabalhosa, era necessário retirar a camada de gelo para chegar na de pescados, até o final, muitas trabalhadoras alegavam que essa atividade era vista como um castigo para as trabalhadoras e geralmente era desenvolvida por mulheres que chegavam atrasadas, saíam mais cedo (o que evidencia a não liberdade de horários), que haviam adoecido, que se escondiam nos banheiro para fazer uso do tabaco ou que precisaram se ausentar da fábrica por conta dos filhos.


O declínio das indústrias de pescado atingiu São José do Norte primeiro, e muitas das trabalhadoras de lá passaram a ir trabalhar nas fábricas de Rio Grande, esse momento é bastante interessante, pois o caís de Rio Grande foi descrito pelas trabalhadoras do Norte como perigoso, diferente do que as mulheres estavam acostumadas, com isso as trabalhadoras organizavam equipes de mulheres que iam e vinham juntas das fábricas, como uma estratégia de proteção. Além disso, as tarefeiras que ficaram conhecidas como: “Trabalhadoras do Norte” relatam a insatisfação de muitas pessoas que faziam a travessia de lancha em sua presença, diziam que as pessoas torciam o nariz e as chamavam de fedidas. Por vezes elas faziam a travessia na parte superior da lancha, que é ao ar livre, evitando assim conflitos com os demais usuários do transporte. Essas trabalhadoras eram reconhecidas também como “mulheres faca na bota”, por carregarem uma peixeira na bota.


E você conhecia um pouco sobre as fábricas de pescado de São José do Norte e das mulheres que trabalhavam lá? Conhece algumas das fábricas aqui citadas? É uma ex-tarefeira? Conheceu ou trabalhou com alguma tarefeira de São José Norte? Entre em contato, conte a sua História!


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Esse texto foi escrito por Alice da Conceição Teixeira, Arqueóloga (FURG/2019), Historiadora (FURG/2023), mestre em Arquitetura e Urbanismo (UFPel/2023), doutoranda em História na UFPel.

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